"E se for para morrer de fome que seja a fome do ódio. E se for para morrer de gula que seja gula de amor". Daniela Lacerda
Quando criança, a cozinha naquele tempo era apenas uma satisfação pantagruélica.
Mas eu notava como mamãe adorava (adora) cozinhar. Nas festividades de fim de ano, ela sempre prepara diversos pratos culinários. A mesa abençoada, o momento festivo e nostálgico da hora de comer. Como já escrevi outra vez: "as conversas, os olhares, o silêncio saboroso e o barulho dos talheres. Quando estamos na presença de nossa família e de pessoas especiais, sentimos uma centelha divina. É um raro momento de epifania".
Nas festas de fim de ano, a gente tem que levar uma vida mais leve, sem se punir principalmente em relação à gula. É o que eu penso. "Se faz sentido, naquele momento, comer algo que te faz bem e dá prazer, não tem porque se punir por isso", diz o servidor público Rodrigo Lourenço (criador da página Gula Certa).
No quesito saúde, o nutricionista Victor Hugo Machado afirma que comer além do necessário nem sempre é prejudicial. Segundo ele, o ato de comer vai além da alimentação: está conectado com fatores psicológicos e emocionais. "Quando a pessoa está em um ambiente afetivo, ela pode acabar passando do ponto. E, neste caso, a gente pode até chamar isso de uma 'gula do bem'". Machado destaca que é preciso ficar atento quando é uma prática constante: "Aí podemos pensar, talvez, em compulsão alimentar - que é algo psicológico, que pode ter a ver com as dores internas".
O ato de comer é algo tão cosmopolita que uma pesquisa do sociólogo francês Claude Fischler e do psicólogo israelense-americano Daniel Kahneman observou a felicidade em países diferentes e descobriu algumas semelhanças sobre o que as pessoas gostam de fazer e uma delas foi comer.
Porém, existem algumas diferenças.
Os franceses, por exemplo, dedicam bastante tempo às refeições, desde o preparo até o ato de comer em conjunto. Para eles, comer é um momento especial que não devia ser compartilhado com outra atividade. Hora de comer é hora de comer! Como diria minha afilhada Flora: "Não é hora de cantar, é hora de comer".
Por outro lado, os americanos mostraram que gostam de comer fazendo outras coisas ao mesmo tempo, como falar ao telefone ou ver TV.
De qualquer maneira, é um ato de prazer e satisfação. Vale destacar que comer libera alguns hormônios que ativam sensações felizes (endorfina e serotonina). Endorfina e serotonina são neurotransmissores que agem para regular o sono, controlar a temperatura do corpo, o apetite, humor, ansiedade e estresse.
Nada em excesso faz bem para a saúde. Isso é indiscutível.
O poeta galês George Herbert (1593-1633) advertia que "a gula mata mais do que a espada". Cá pra nós, um exagero por parte do sacerdote anglo-galês.
Confesso que eu sigo as palavras do inesquecível poeta francês Arthur Rimbaud (1854-1891): "Aguardo Deus com gula".